Friday, July 27, 2007

Auto-sabotagem brasileira

Feliz o artigo do jornal alemão Berliner Zeitung destacando a insegurança promovida pelo acidente da TAM. Citou a "eterna oscilação brasileira" entre o sentimento de inferioridade e o otimismo em relação ao progresso. Há muito tenho essa tese e destesto os brasileiros que falam mal do Brasil. Acho todos uns preguiçosos que se conformaram em manter as frases padrões e cansativas sobre a personalidade brasileira. Citações mil, desde o Macunaíma, até a Lei de Gerson, esta um asco. Quando saio às 5 da manhã e vejo milhares de pessoas no ponto de ônibus para seguir a seus trabalhos me lembro sempre da história que grudaram nos brasileiros sobre os 'jeitinhos'.

Grande coisa a frase de De Gaulle sobre o "Brasil não é um país sério". Sim, muitos governantes não são sérios. o mesmo DeGaulle entrou em embater pesado com os EUA nos seus tempos ao descobrir que os norte-americanos emitiam mais dinheiro do que estava previsto nos acordos internacionais na época do padrão-ouro. Sim, os EUA a meca da ética mundial. Faz-me rir.

Mas chega de jogar pra torcida, ou buscar culpados lá fora. É culpa dos brasileiros também jogarem a culpa no governo, na empresa, no prefeito. Chega. Somos coniventes. Quem aqui já levantou o bumbum da cadeira pra fazer barulho em praça pública? A exceção do regime das Diretas, embalado por um oba-oba de globais, ou do tempo do Collor, a única unanimidade brasileira fora do futebol, ninguém saiu às ruas para protestar ou fazer a diferença.

O Brasil merece ir além, dar um passo adiante, em respeito a esses que acordam às 5h30 para pegar três conduções e chegar no horário ao trabalho. Mas também por causa de muita gente ética, que é ética porque também não acredita nesses rótulos velhos e ultrapassados que colaram no brasileiro.

Reproduzo abaixo o resumo do artigo, publicado no uol.


Acidente aéreo fez Brasil duvidar de si, diz jornal

Um artigo publicado nesta sexta-feira no jornal alemão Berliner Zeitung diz que o Brasil passou a "se colocar em dúvida" desde o acidente com o Airbus A320 da TAM.A reportagem fala do que chama a "eterna oscilação (brasileira) entre o sentimento de inferioridade e o otimismo em relação ao progresso", afirmando que a segunda metade da equação foi "abalada" pelo incidente."A idéia de progresso está na base da construção da identidade nacional brasileira", afirma o Berliner Zeitung, citando o mote nacional "Ordem e Progresso", contido na bandeira brasileira.Mas o país de dimensões continentais e confiança no futuro entra em crise diante de um acidente que remete a lembrança à célebre frase - que ninguém sabe se foi mesmo dita pelo presidente francês Charles De Gaulle, segundo o jornal - de que "o Brasil não é um país sério"."A catástrofe trouxe junto a (lembrança da) mediocridade geral, a incompetência", enquanto, nas palavras do deputado federal Fernando Gabeira reproduzidas pelo jornal, "o povo mesmo é uma abstração destinada a sofrer".Ao mesmo tempo, diz o artigo, as responsabilidades pelo acidente são transferidas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não literalmente, avisa o jornal, por que não lhe cabe, mas "simbolicamente"."O fracasso do Estado se torna assim personalizado." Já o jornal britânico The Independent publicou uma reportagem dizendo que "as autoridades brasileiras tentam resgatar o sistema de aviação civil do país da beira de um colapso total".No título do artigo, o jornal diz que "o acidente aéreo gerou uma crise nacional para Lula"."Mesmo antes do acidente, a confiança pública no sistema aéreo estava no menor nível de todos os tempos", afirma a reportagem."A frustração com atrasos infindáveis e cancelamentos estava disseminada."

Thursday, July 19, 2007

Luto

Impossível telegrafar qualquer coisa diante de dor coletiva tamanha. Infelizmente, vivemos uma crise de credibilidade tão profunda, que é difícil acreditar a razão que levou a tamanha catástrofe. Até hoje não sei se fui ludibriada ao culpar os pilotos americanos do Legacy no episódio do acidente da Gol, ou se de fato eles foram os responsáveis por aquele acidente.

O Lula conseguiu passar ileso pelos casos de corrupção. Mas as mortes de inocentes calam fundo na alma. O apagão aéreo já estava no ar há muito tempo. Com desastres linguísticos inclusive, no meio do caminho.

O Brasil não merece estes episódios. Como não merece também a guerra nas favelas, como não merece os índices vergonhosos de violência tão rasteiras nos confins do Nordeste. Mas agora bateu na classe média. E aí, vira coletivo então.

Bate na tecla da crise de gestão. Bate na tecla da crise da infra-estrutura, bate na tecla do Brasil que continua a ser o país do futuro. A auto-sabotagem é maior sempre. Seja dos aeroportos, seja da empresa em questão. Não consigo me posicionar, pois só estou acompanhando pelos jornais e pela internet as repercussões do acidente.

Imprensa esta que colocou na mídia online chamadas como: "Tem imagens do acidente? Mande agora", como se estivéssemos diante de uma competição para ver quem tem o melhor ângulo da tragédia. Dane-se a dor das mães e pais que perderam os filhos, dos filhos que perderam pais. O que vale é a audiência. Tal qual o episódio dos promotores de venda do energético Red Bull na época do buraco do metrô (outra baixaria pública), que distribuíam o energético que 'dá asas' enquanto os bombeiros tentavam resgatar os últimos corpos.

Prestou-se um dos maiores portais ao ridículo papel de dar chamada principal a uma foto montagem grotesca de uma pessoa pulando de um prédio da TAM em chamas. E teve de desculpar-se em seguida.

Agora é clima de caça as bruxas. A culpa nao é do portal, nao é do avião, do piloto, do governo. É geral, mais um capítulo para se tomar consciência da responsabilidade que é ser brasileiro.

Saturday, July 14, 2007

Somos todos hipócritas

Ainda sob efeito da Flip, um debate me marcou pela contundência e naturalidade com que as palavras foram colocadas. Paulo Lins falou como se estivesse comentando a cor da orelha do livro à platéia que o assistia "Brasileiro é hipócrita". Se referia à total indiferença dos brasileiros com a situação bélica de suas periferias. Chamou-me a atenção na palestra de como ele era tratado como uma 'avis rara', no estilo "ooooooh, ele morou em favela por 30 anos". Bem, ele morou. E isso lhe deu visão crítica, consciência.

Paulo Lins comentou que em suas viagens para divulgar seu livro "Cidade de Deus" ouviu de estrangeiros que jamais morariam no Brasil pois não entendiam como a sociedade era tão indiferente aos problemas sociais. Vivi diálogo semelhante com um espanhol, em Cadiz, no sul da Espanha, que me perguntava como nós deixávamos existir tanto menor de rua abandonado. Aquilo me incomodou. Como se eu pudesse falar mal da minha mãe, não outra pessoa.

Mas olhando para trás, ainda era covarde, como conceituou Nelson Rodrigues em seu texto "Ex-covarde", que está no livro A Cabra Vadia. Dizia que o brasileiro sofria de medo, que a degradação do país se devia a esse sentimento paralisante. "Os pais têm medo dos filhos, os mestres dos alunos.." "O medo começa nos lares, e dos lares, para a igreja, e da igreja passa para as universidades, e e destas para as redações, e daí para o romance, para o teatro e para o cinema".

O texto, escrito em janeiro de 1968, era, infelizmente, um prenúncio de algo muito pior que vinha. Hoje as pessoas têm medo das pessoas na rua. Os cidadãos têm medo dos bandidos e da polícia, dos políticos, dos líderes.

Ou seja, foram 30 anos de anestesia total até chegar ao caos.

No mesmo texto, Nelson Rodrigues diz que ele também teve medo e havia sido um covarde. Mas todas as tragédias pessoais da sua vida, como o assassinato do irmão, e a morte da filha, lhe haviam conferido uma condição diferente, de ex-covarde.

Nelson batia na tecla da falta de iniciativa dos jovens, estes que deveriam liderar as mudanças de hábito, pensamento, comportamento. Ficou famosa a entrevista dele a Otto Lara Resende, em que dizia "Jovens, envelheeeeeeeeeeeçam!"

Sou uma jovem que envelhece, toma consciência, quer fazer algo mais. Espero eu que Deus me dê forças de até o fim da minha vida também poder declarar que eu quero ser uma ex-covarde.

Monday, July 09, 2007

Flipe-se!

Há 15 anos um cidadão de Parati já sonhava em fazer um evento como a Feira Literária de Parati. Vira algo do gênero numa cidade da Inglaterra. Quinze anos conversando sobre o assunto até que houve um aceno de uma editora brasileira radicada em Londres que aceitou apoiar a idéia. O cidadão, José Cláudio de Araújo, ex-prefeito de Paraty, correu atrás de todo mundo pedindo tudo para fazer o evento acontecer. De ilustres, celebridades, banqueiros. "Não vai dar certo", foi o que mais ouviu.

Eu já cansei de ouvir essas histórias no Brasil. A turma do "não vai dar certo". Nem te deixam terminar de falar. Um saco. Voltando de Parati, depois de minha primeira Flip, e a quinta edição da cidade histórica, agradeço ao distinto cidadão por ter insistido, apesar de muitos nãos que ouviu, e dos sapos que agüentou. Pelo distinto público que freqüenta o encontro já devem existir os críticos de plantão. Consigo ouvi-los daqui dizendo "a Flip está muito comercial, perdeu seu caráter original".

Digo a todos eles. Uma ova. Estou longe de ser uma mestra intelectual, mas me alimento de intenções reais, verdadeiras. E por lá passaram autores fantásticos, como o argentino Alan Pauls, o israelense Amos Óz, o mexicano Guillermo Urriaga, os africanos Nadine Gordimer e Ismael Beah, e o descendente de irlandeses Dennis Lehane.

Não, eu não li todos eles, muito pelo contrário. Esses aí citados os conheci nas palestras. E foi sensacional ouvir a visão de mundo de cada um, seu envolvimento com a escrita, com as idéias, suas preocupações com o mundo, sua visão particular.

Beber dessas fontes é, sem dúvida, um presente. Fiz um estrago na minha conta bancária e trouxe seus livros a tiracolo - depois de ouvir trechos de suas obras nas apresentações, e já estou com boa parte de dois dos livros (O Passado, de Alan Pauls, e Muito Longe de Casa, de Ishmael Baeh) lida... Parati nessa ocasião te direciona a se voltar para a leitura. E senti-los, partilhar de uma identificação com suas tiradas - 'mulheres que amam demais são terroristas emocionais", foi uma das melhores, de Alan Pauls, ou as reflexões irônicas de Paulo Lins "não a literatura não me salvou, quem me salvou foi minha mãe e minha família"- é gratificante, e um estímulo a se alimentar da cultura, da escrita, da leitura. Afinal de contas, vivo de escrever e expressar melhor minhas idéias.

É bem verdade que muita gente vai à Flip com espírito crítico. Acho os intelectuais de um modo geral muito chatos - - "é o povo mais chato que freqüenta Parati" - ouvi um local dizer. Sim, Parati tem outros festivais, e outros públicos.

Eles ouvem com a cabeça. Prova disso são os comentários que se ouviam após as palestras. "Que absurdo o que ele disse, não tem nada a ver, como pode dizer uma coisa dessas". Oh, God. Um ser humano que escreve sua obra e sua visão de mundo no mínimo tem de ser respeitado pela sua bora e sua visão de mundo. Eu também tenho a minha, poxa.

Eu ouvi com o coração... Faltei a algumas palestras matutinas para curtir a temperatura maravilhosa da cidade, na praia de Trindade, para não ficar na neura. Foi a melhor coisa que fiz.

Assim, curti o que havia para curtir, fui ouvir. Depois das palestras, o visual especial daquela cidade - houve até um mini apagão, que me deixou feliz, pois foi a deixa para perceber o estrelado céu da região. E, bem, trombar com toda sorte de autores nas esquinas.

ah, intelectual não tieta. É blasè. Acima do bem e do mal. Só rindo...

Saturday, July 07, 2007

Da arte de esculpir palavras, de Parati

Flip - Ainda tem gente brincando que vim passear na Flip em vez de trabalhar. É bem verdade. Que cada viagem de trabalho a gente transforme em passeio. Mas quem trabalha com escrita tem aqui uma chance ímpar de ouvir loucos com angústias parecidas com as nossas. Dá até uma certa reserva querer niverlar-se às estrelas da feira, como o americano Dennis Lehane, o israelente Amos Oz ou o mexicano Guillermo Arriaga. Mas é libertar-se de uma vez por todas - ou pelo menos dar um tempo até a próxima feira - das crises de auto-censura por sofrer ao escrever certos textos. Um comentário de dennis e Guillermo fez o público gargalhar. sentem calafrios quando alguém lhes diz que gostaram tanto de algum livro seu, que o devoraram em duas horas. "Eu levei oito anos pra escrever e ele leu em duas horas! Me sinto em déficit", brincou Guillermo.

Escrever é traduzir no papel o que se sente. E para tal, é preciso sentir. Ou não há palavras a transcrever. Não, essa não é uma equação básica e lógica. Sentir em tempos contemporâneos é tarefa árdua.

Marçal Aquino bem colocou uma pergunta simples e ao mesmo tempo tão óbvia e certeira para Guillermo Urriaga, autor de livros que deram origem aos excelentes filmes amores brutos, Babel e 21 Gramas, e Dennis Lehane, autor de policiais. "Qual foi a experiência mais próxima de violência que vcs sentiram?"

Genial. Aula de jornalismo e escrita. Ambos têm marcas, 'tatuagens' que determinaram seus destinos. Memórias na carne que ajudaram a expressar o mundo que eles retratam.


Outros ...

E não há nada melhor que ouvir um escritor do porte de Amos Oz descrever seu processo de criação e escrita. As esculturas em seus livros, escolher a melhor palavra para expressar aquele sentimento, aquele momento, aquele personagem.

Hoje, o argentino Alan Pauls falou um pouco de amor. E das mulheres que amam demais e utilizam esse excesso de amor como capital para apossar-se de seus objetos de amor. Tornam o amor um culto, uma religião, 'verdadeiras terroristas', ironizou. Chato, porém, que a outra convidada da mesa, Maria Rita Kehl, ficou enchendo ele de perguntas sobre o romance que está apresentando na feira. Chato para quem não leu, e não quer se ater apenas a essa obra - até para não ter sua leitura influenciada - , mas sim a tudo que um escritor tem a oferecer.