Saturday, October 20, 2007

Crise é o nosso negócio

Vi um documentário esta semana bem interessante. Para quem gosta de política, é uma boa dica e ainda um registro interessante de um momento crucial na América Latina: a temperatura popular da Bolívia, que abriu caminho para Evo Morales. Trata-se do Crise é o Nosso Negócio, filmado pela cineasta americana Rachel Bonyton, lançado em 2005, quando Morales ainda era uma pedra no sapato do status quo boliviano. Hoje, suas cores ficam ainda mais vivas, pois ao final daquele ano ele seria eleito definitivamente presidente da Bolívia, e de lá para cá, geraria focos de discussão mundial - e no Brasil - ao suspender contratos de vendas do gás, por exemplo, e alterar completamente a pauta de negócios do seu país.

O documentário não é sobre ele, é na verdade sobre a empresa de marketing político que ajuda o opositor de Morales - o ex presidente Gonzalo Sanches de Lozada - a vencer as eleições em 2002. Nessa eleição, Morales perdeu por um ponto.

É um registro histórico mesmo, tanto das crenças que povoam o mercado atual - as fórmulas para vender um produto, no caso um candidatoe um programa de governo - como os limites de um povo.

e ainda, a cegueira da imprensa, que compra as versões oficiais e despreza barulhos ensurdecedores das populações em locais em que a câmera não está ligada.

Ficou na minha cabeça que é possível até esconder a verdade por meio de mensagens bonitas de marketing por muito tempo, até alterar alguns rumos naturais. Mas, numa comparação grotesca, pode-se até comprar o juiz de futebol, mas time ruim não ganha jogo.

Nâo que o antigo candidato fosse de todo ruim. Mas ele, como os mais conservadores brasileiros e argentinos, repetiam exaustivamente fórmulas econômicas boas para os balanços financeiros, mas não para a realidade diária de tanta gente. Assombra a miopia exposta, por ser uma fita de duas horas. Mas nós assistimos a tudo isso tanto na Bolívia como no Brasil, Argentina e Venezula, todo dia a conta gotas.

Sunday, October 14, 2007

Nas páginas da Playboy, com Mõnica Veloso








Dia desses uma amiga me perguntou se eu topava fazer um frila de economia para a revista Playboy. A idéia de escrever para uma revista muito lida por um vasto contingente masculino é, no mínimo, desafiante. Certamente não seria minha matéria a primeira coisa que o leitor buscaria. Porém, achei interessante escrever para um veículo totalmente novo e para um metiê com o qual não estava acostumada.


A pauta era divertida, mas fiquei descrente a princípio: como transformar R$ 100 em R$ 1 milhão depois de dez anos. Bem, minha escola foi o mundo dos negócios, e trabalhei vários anos em uma revista chamada Pequenas Empresas Grandes Negócios, onde vi centenas de negócios surgirem dos modos mais inusitados. Não seria tão complicado.

A missão
Fui atrás de consultores e economistas ver se rolava a pauta, e tomei alguns 'nãos", o que me deixou ressabiada. Ouvi um "ah, uma pauta para aumentar a libido financeira". Achei ótima a expressão, mas com o curto espaço de tempo que me forneceram, percebi que teria de ser criteriosa para não empolgar demais os leitores que estão ali relaxados lendo sua revista, sugerindo manobras financeiras que pudessem colocar seu bolso em risco, ainda mais depois de alguma sessão de fotos que o deixasse extasiado.


Parti para várias entrevistas, com pacienciosos consultores, que foram me ajudando a montar um caminho das pedras.

Bem, tudo certo até aí, segura com a apuração, fui até o editor explicar o que tinha e receber a orientação que ele queria para o texto.

Eu bem que o ouvi dizer - um abre assim assado, e um passo a passo com definições de risco.
Bem, fazer frila para uma revista com a qual vc não tem familiaridade - embora eu saiba que as mentiras que os homens contam quando dizem que só compraram a Playboy pq as reportagens são ótimas, é verdade - angustia de verdade. Daí, escrevinhei um textão, com alguns toques engraçadinhos, preocupadíssima com a idéia de não deixar dúvidas sobre riscos e e possibilidades de opções de investir dinheiro. É responsa orientar alguém a correr riscos que podem evaporar o dinheiro dele, embora coubesse o alerta no texto.

Choque de formação


Ao dia seguinte que entreguei o texto, 'meu' editor me liga.

O tom de voz era de fechamento, daquele que só quem passou por redação conhece. Meio legal, meio apressado, e quando não está feliz com o resultado, polido, mas meio irritado.

- não era assim que eu pedi o texto.

- mas eu fiz os dez passos que achei
- mas falamos em 15.

- ai, desculpe, não foi assim. Na hora de escrever, vi que eram menos pelo tempo que tínhamos.

- olha, não é por nada não, mas sua matéria está chata. e o ilustrador não vai entender como ilustrar esta matéria.

Talvez ele não tenha sido tão direto, mas ouvi um "chata" no meio da frase e é que nem em filme, fica ecoando dentro do seu ouvido a palavra mais importante "chata, chata, chata, chata".
- bem, eu vou reescrever então, vou tentar explicar melhor....
... seguiu-se um pingue pongue de colocações de lado a lado, até que eu coloquei uma cereja no bolo:

- se quiser escrevo numa tabela...

Antes de concluir a frase, ouvi um

- nããããããããããããããããoooooooooooooooooo...

talvez o 'não' não tivesse tantos decibéis a mais e nem fosse tão longo assim, mas o tom de fechamento estava valendo, e depois de tentar argumentar, fiquei quieta, era a única saída possível...

Disse então, contrariada:
- olha, a minha cabeça matemática não está entendendo muito o que você quer exatamente, mas vou tentar melhorar o texto. Estou tentando sintonizar, algo vou conseguir.
Por centenas de vezes em situações profissionais quando me sinto pressionada e eu acho que tenho razão, sinto um bico crescer e o orgulho me estimular a fazer melhor, naquele estilo "ah, esse cara não entende o esforço que fiz, ele vai ver, vou fazer melhor ainda pra ele me respeitar, quem ele pensa que é". Claro, é melhor sentir isso do que se sentir um fracasso e não fazer nada, ou ainda arrogante e fingir que não é com vc. Nessas horas, ainda que doa, vc é um soldado. As pessoas estão contando com vc. Eu fico louca com frilas que não me dão retorno prometido. Isso queima filme mesmo.

E fui eu tentar reescrever o texto. Nunca ninguém tinha me dito "tua matéria está chata". Disseram outras coisas, incompleta, sem estofo, mas não "chata". Comecei de novo a escrevinhar e ainda tentando sintonizar a mensagem do editor da Playboy. Madrugada adentro, fui filtrando o bico, e percebendo que era óbvio. Ele tinha razão. Eu não estava escrevendo para a Gazeta Mercantil. Ia disputar espaço com mulheres cujo apelo era outro mais direto. Leitor da Playboy não vai querer saber de cupom cambial, nem de efeitos dos subprimes na economia hoje.

Quer leveza, criatividade, humor.

Devolvi o texto, melhor que o anterior, e mandei um email com sinceras desculpas, dizendo que ele tinha razão e que tantos anos escrevendo dentro da 'caixinha quadrada', me deixaram sisuda para escrever uma matéria mais leve.

Minha maior encanação era dar dica errada. Sou sempre da turma do pé no chão, não tanto da ousadia.

Dias depois ele me devolve o texto novamente, desta vez com o toque final dele. Um senhor texto, divertidíssimo, com tudo que eu apurei, algumas pitadas das minhas sacadas e gracinhas, mas o grande tempero, era dele mesmo, que já tem a mão voltada para a arte.
Tudo bem, eu dei, digamos a matéria prima, e ele refinou a receita.
Colaborar com outros veículos aos quais você não está vinculada ou acostumada é bom por isso. Vc precisa ser humilde, e é importante não perder essa noção jamais.
A aventura ainda evoluiu mais alguns capítulos. Dias depois alguém da redação me liga solicitando uma foto minha e minhas informações profissionais pois ia entrar na seçaõ dos colaboradores. Poxa, nessa galeria só tem fera, como Ivan Lessa, Ignácio Loyola Brandão, só coisa fina. E lá estaria a Carla?


Ah cara, este frila pra Playboy me rendeu momentos inesquecíveis. Um dia estava em casa sozinha, correndo com mil coisas na cabeça a fazer e decidir, e me deu um insight. Imaginei minhas fontes e patrões se deparando com minha foto na Playboy. Só gente sisuda e careta, que é exatamente o perfil das pessoas para quem escrevo sobre negócios e economia. O que eles fariam? "Oi, te vi na Playboy". NInguém se atreveria a dizer isso. Imaginar essa situação me fez parar tudo que estava fazendo e me dobrar de rir, daquelas gargalhadas que doem a barriga.
Se por ventura alguém me questionasse, eu teria de responder "ah, comprou para ver as reportagens?"

Bem, a colaboração já me valeu a aula de jornalismo, em primeiro lugar. O trabalho jornalístico é artesanal e a sua matéria prima é a credibilidade do repórter e seu empenho em conseguir as melhores informações, dentro dos critérios e valores mais ajustados com o que vc considera responsável para com a sociedade. Esse pressuposto vale em qualquer ambiente, mas viver só dele não adianta dependendo do veículo. A Playboy queria que eu entrasse na brincadeira. Mas na hora do texto, não consegui relaxar. Fui mais caxias e menos irônica e humorada.

Só me restou torcer para pegar carona na Mônica Veloso e guardar para mim a informação da potencial fotinho. Seria muito divertido dizer a meus amigos "sai na Playboy com foto e tudo".

Pois bem, a íntima torcida funcionou. Saí com Mônica Veloso. Aliás, minha matéria começa logo depois do ensaio dela. Estou logo depois da página que fecha seu ensaio, em que está a imponente bunda de Mõnica Veloso em evidência. Ainda não tenho a menor idéia do que é estar posicionada assim, mas digo com certeza que foi uma das experiências mais divertidas da carreira. Daquelas que estou contando em mesa de bar - da pauta, à minha cabeça matemática, a virar foca novamente, até a posição da matéria na revista.
E contar a meus amigos homens despretensiosamente "estou nas páginas da Playboy" tem um efeito... sensacional.
É jornalismo na veia, e escrever economia com pitadas excitantes foi deveras divertido.
E olha, é bem capaz que a grande maioria dos leitores nem veja a minha matéria. Mas ao menos o título, chamou a atenção:
coluna da Monica Bergamo. "CLUBE DE CRIAÇÃOUm acordo firmado entre Mônica Veloso e a "Playboy" proibia a citação do nome de Renan Calheiros na revista. Mas a equipe quebrou a cabeça para criar menções indiretas propositais ao senador, dando a reportagens da edição títulos como "Transforme 100 reais em 1 milhão" e "Moda -Já pro Xadrez".
José Simão:
E essa chamada na capa da revista: "Transforme R$ 100 mil em R$ 1 milhão (nós ensinamos como)". Já sei, é entrevista com o Renan. Rarará!E essa outra chamada na capa da "Prayboi": "Moda; já pro xadrez". Rarará!E como disse o blog do Marcio Ribeiro: "A "Playboy" da Bárbara Paz era R$ 10, a da Mônica Veloso é R$ 11. Antes mesmo de abrir, a revista já subiu um pau". Já chegou na banca subindo um pau! Rarará!