Wednesday, May 30, 2007

paladar infantil, socialismo na veia

Quando eu era pequena, me lembro de ter ficado sozinha com meus irmãos e meu pai alguns dias. não sei quantos eram. Minha mãe havia viajado. mas nunca esqueci uma comida que ele nos serviu, lembro do gosto até hoje, um frango com molho vermelho, algo saboroso. Nossa, cresci com a idéia daquela comida que meu pai tinha feito pra gente. Anos mais tarde, já adulta, ou talvez adolescente, vim a saber que aquela tal comida, que sempre relembrava ao meu pai, era na verdade uma comida enlatada. Que decepção. Ele escondeu o quanto pôde. Até admitir que era algo semi-pronto. vá lá. Eram os anos 70. Eu era muito pequena. Talvez amor de filha tivesse deixado aquele sabor mais especial do que ele era. Paladar infantil. Todo mundo tem um prato talvez o mais sem graça do universo para a maioria dos mortais, mas imperdível pra gente por algum contexto.

Mas hoje, descobri um dado fantástico. Visitei meu pai e não sei por que cargas dágua caiu nesse assunto. Aí minha mãe disse - Era comida que vinha de Cuba.
Meu pai - Não. era russa (Sic). Um erro também, pq naquele tempo não era Rússia, era URSS.
Ficou uma disputinha coletiva deles, mas na minha cabeça já estava claro. Socialismo entrou na veia. Por isso os filhos desta família são mais esquerdinhas que os pais.

Vejam só. Minha mãe contou que quando houve escassez de alimentos no Chile, por conta das cotas do socialismo de Salvador Allende, Cuba inundava o país com comida deles.

Validade e Divórcio

Mas, eu seria muuuito pequena se tivesse sido ainda no governo de Allende, pois o golpe militar ocorrou em 1973. Então, descobri que houve um mercado negro de comida cubana na época de Pinochet. Eu deveria ter uns quatro anos, então isso aconteceu em 1975. "Sim, filha. As comidas tinham data de validade". "Na lata? Nao poderiam estar enganando?" "Não, lá sempre existiu a data de validade".

Quão chileno é isso. O país que já tinha como obrigaçao a data de validade nos alimentos - algo que só veio ocorrer no Brasil, década depois. Lá, outro dado curioso, a nota fiscal. A gente recebia até quando comprava um simples chiclete na padaria, o pão, o fósforo, o cigarro.

A nota fiscal começa a ser debatida novamente aqui no Brasil agora. Lá, só se conseguiu depois que o governo estimulou a premiação de quem cobrava a nota fiscal. Algo que nosso governador José Serra está pensando em fazer. Teria ele aprendido isso em seu exílio no Chile? Cultura inútil...

Vá lá. Chile é um país paradoxal. Tanto avanço. Mas a lei do divórcio, que foi regulamentada no Brasil, em 1977, só está sendo aprovada este ano no Chile.

Sunday, May 27, 2007

Duas vezes o mundo

Aos cinco anos de idade, meu pai me deu o mundo de presente. Não me lembro bem se sentia ou não a ausência dele enquanto ele estava aqui - hoje sei que ele ficou seis meses sozinho no Brasil, ajeitando tudo para a gente chegar. Guardo lembranças muito boas da minha infância no Chile, e graças a Deus, nenhuma me remete tristeza, nem mesmo desse período. A única coisa que sei é que minha mãe vez em quando chorava, hoje sei, de saudades dele.

Lá viemos nós, quatro crianças, meu irmão mais novo de colo, e eu com cinco, o mais velho com 9, num avião da Varig, encontrar meu pai no Brasil. Minha mãe havia feito aulas de português, e eu sabia que viria a uma festa. "Acucar es azucar, papi?" Foi uma das primeiras perguntas que fiz ao meu pai quando estava no Brasil.

Muito marcante. Choveu, me lembro de me despedir dos meus tios e primos no aeroporto, sentir os ouvidos tapar durante o vôo, rir da sensação de flutuar quando andava no corredor, e de repente, meu pai nos recebeu. Muito corajoso esse senhor, hoje de 66 anos. Naquele tempo, tinha 36, a idade que farei daqui a pouco. Mudou radicalmente sua vida e por tabela, a nossa. Rompeu com aquele país para dar novo sentido a tudo.

Nossa, como sou feliz por viver no Brasil. Amo o Chile, são minhas raízes, mas odeio o frio. E o Brasil, vá lá, tem muita coisa triste. Mas tem tanta coisa legal...

De lá para cá, nunca consegui olhar o mundo sem ter um olhar estrangeiro, comparativo, o que é melhor de qual lado do mundo. Entender os ditados populares, as sutilezas que se escondem no modo de vestir e empregar as palavras.

Meu pai não é dos mais falantes, dos mais afetuosos de dizer 'te amo, minha filha'. Mas nossa, como esse homem me deu amor e exemplos. Foi exigente com horários de subir da rua, de voltar pra casa das baladas aos meus 12, 13, 15 anos. Era o pai mais careta, me deixava chorar e ficar de olhos inchados pedindo pra sair ou dormir na casa das minhas amigas. Docilmente, dizia não. Eu sofria, pois sempre tive amigas muito mais liberais que eu.

Mas foi o primeiro a estimular minha viagem à Europa com 20 anos. Fui sozinha. E ele estava lá, felicíssimo pq eu ia. Foi a segunda vez que ele me deu o mundo de presente. "Vá, e vá solteira, pq nunca será a mesma coisa". Ele estava mais feliz que eu quando eu viajei. Que loucura. Eu tinha 20 aninhos e ia sozinha para o Velho Continente. Mas o estímulo daquele pai careta, que chegava pontualmente às 17h30 em casa, depois de sair do trabalho, para estar presente, me fez sentir segura.

Minha mãe nos deu tapas qdo fazíamos arte. Meu pai, discursos. Preferíamos os tapas da minha mãe, foi o que concluímos com meus irmãos. Meu pai é prolixo.

É o homem que come banana com garfo e faca, que guarda tudo porque pode ser reaproveitado daqui a pouco. E não tenha um carro enguiçado perto dele. Ele para tudo para te ajudar.

Meus pais nos ensinaram a ser solidários. Aliás, fora do comum. Toda a minha família tem essa tendência, de deixar de comer se algum amigo precisa mais. Somos famosos entre os nossos por essa característica altruísta.

Que Deus te cuide, meu pai, para que vc receba o que merece pelo tanto que vc nos deu.

Thursday, May 24, 2007

Ironias latinas


Gente, é impossível não rir da idéia de que o topless da mulher do Carlos Menem, ex-presidente da Argentina, acabou por deixá-lo em péssimos lençóis. Mas, justiça seja feita. Menem foi o homem que destruiu a Argentina com a sua paridade cambial. Ele engoliu sem pestanejar as regras do FMI, privatizou a torto e à direito,e indexou o peso ao dólar, criando um poder artificial para a moeda argentina, que viria a explodir em 2001/2002. Resultado: mais da metade da população argentina acordou pobre da noite para o dia. Foi uma experiência traumática para os nossos vizinhos argentinos, tão inteligentes, quanto arrogantes àquela altura.


A hecatombe daquele período deixou feridas. Entretanto, teve algo de positivo. Um mea culpa da nação pelos erros cometidos e debates sobre a própria arrogância. Para sobreviver ao caos, compensaram a tristeza com a produção de filmes lindíssimos, como Filho da Noiva, Nueve Reinas, Abrazo Partido, Kamchatka.
Enfim. Mas há algo de engraçado nessa história toda. O Menem, merecidamente, tende a ser enterrado. Um gaucho, caudilho, argentino, macho mor, é chifrado por uma chilena. Cai beeeem mal entre argentinos, hein? O Chile e a Argentina têm uma pendência antiga por conta do canal de Beagle, três ilhas, cuja posse está sacramentada como sendo da terra de Pablo Neruda. Mas as dúvidas a respeito dessa posse existem desde o século 19. Em 1978, chile e argentina quase partiram para a guerra para acertar contas pelas ilhas. Mas o papa João Paulo 2, na época, interveio pela paz. Tudo bem, argentinos. Que troco, hein?

Friday, May 18, 2007

que remédio...

Em 1996, 5,2 milhões de crianças americanas foram diagnosticadas com Distúrbio de Atenção e Comportamento. Para elas, foi receitado o uso de Ritalin, remédio que melhorava a distração ou apatia das crianças. Em Mais Platão, menos Prozac, o filósofo Lou Marinoff chama a atenção para o fato de a medicação ter sido indicada - e consumida - antes de ter certeza se aquela criança está na verdade com falta de motivação, ou estímulo do ambiente em que está inserido.

Diz Marinoff que os remédios não exterminam o problema. Na verdade, ele apenas adia a solução do mal-estar que acomete esse 'doente'.

Ele não está 'doente'. Ele está sentindo algo. Aos poucos me dou conta que os males físicos muits vezes são curados com medidas simples. Penso em quantas crianças devem ser te se salvado com o método mãe canguru, onde o recém nascido pré-maturo´, é colocado em contato com a mãe, todo seu corpo encostado ao de sua mãe, para dar-lhe suporte à recuperação e crescimento.

A vontade de eternizar o tempo e evitar a dor, o choque de se deparar com alguns aspectos de si mesmo provocam alguns constrangimentos. Uma criança é reflexo de um adulto. Ela está pura, aberta, apenas reproduz.

As pessoas esqueceram de exercitar o sentir. Há muito andamos anestesiados.

Thursday, May 17, 2007

Amor de mãe

- Mamãe, por que vc dá dinheiro no farol?
- Pq sim, pq é uma pequena maneira de ajudar.
- o papai não gosta de dar dinheiro.
- Eu sei, meu anjo, não tem certo ou errado. Tem gente que gosta e tem gente que não gosta, acha errado.
- Eu acho certo, mas eu amo o papai do mesmo jeito.
- Claro, amor. Pensar diferente não quer dizer que não vai amar alguém
- Vcs pensam diferente. É por isso que vcs se separaram, né?
- É, amor! Mais ou menos isso!
- mamãe, é que vc nasceu no "carloreiro', pé de carla, onde nascem as carlas, e o papai nasceu no 'leandreiro'.

15/05/2007, farol da Henrique Sschawmann com Teodoro Sampaio.

Saturday, May 12, 2007

de ver a vida com um olhar cinza

Foi bem essa última produção do Spider Man. Embora meu filho de cinco anos tenha ficado assustado com as melecas pretas que tomaram o corpo do herói em parte do filme, foi muito interessante depois conversar com ele e explicar a razão de o Homem Aranha ter ficado cinza. As tais melecas eram como a raiva, ódio, tudo de ruim que o mocinho sentia por ter reencontrado o assassino de seu tio.
Didático o exercício. Meu filho, já em casa, voltou a me perguntar se as melecas não poderiam invadir nosso apartamento. Expliquei que as tais melecas eram apenas reprodução do que é esse sentimento ruim dentro de nós e o que ele faz com a gente.
Raiva e ódio tomam conta da gente mesmo. Nos possuem. E às vezes cristalizam. Ou às vezes, reaparecem como recaídas, gases estomacais, involuntários. Se há uma situação de algoz e vítima, a vítima sente-se legitimada a se cobrir com uma capa cinza para dar o troco. Assim mostrou o Homem Aranha. Mas o que ele fazia, também começou a machucar outras pessoas queridas do herói.
Superar mágoas que gerem raiva, ódio, ou qualquer sentimento negativo, não é algo fácil. É algo demorado, que leva tempo, mais às vezes do que a gente gostaria. e esse tempo deve ser respeitado, ele não está ali porque ele gosta de existir. É um aprendizado.
Ainda que exista uma intenção para superar raivas, alguns fatos se repetem, igualmente a quando comemos uma comida estragada e vez em quando sentimos aquele dissabor, aquele gosto ruim. É involuntário.
É preciso investigar camadas e mais camadas de si mesmo, e realmente enxergar, muitas vezes, que aquilo lá de trás, que é ruim, pode estar a te contaminar. É um troço desigual e sem matemática lógica. Por vezes, uma pedrinha que vc jogou foi revidada com uma bazuca que derruba vinte andares e deixa marcas profundas. Ou ainda, como o Homem Aranha, vc não fez nada para ser enredado em algum novelo. Justo? Não tem jeito. A mesma motivaçaõ da pedrinha posterior à mágoa- provocação, ego, ou qualquer coisa - pode estar por trás do efeito bumerangue. O Homem Aranha se sentiu pleno e ainda mais forte quando estava com raiva. Andava ele cheio de si ao perceber que Nova york estava segura e ele era um dos responsáveis.
Cada um com seu cada um. viver com uma farda cinza não é bom pra ninguém. Tem gente que passa uma vida sem superar mágoas, traumas, ressentimentos. Não desejo o mesmo pra mim. Mas é certo, que nenhum pedido de desculpas pode querer atalho para superar a dor do outro.
Comecei a entender que muitas vezes a cabeça quer uma coisa, mas a alma não está pronta. É preciso enxergar muitas vezes o demônio no espelho para entender que a vida vai além. Sufocá-lo é um crime contra a humanidade, e alguns manuais de politicamente correto deveriam ser jogados fora. É preciso sim explodir, também não há atalho para esta fase desse processo - civilizadamente, claro. Para então jogar fora a armadura cinza.