Sunday, May 27, 2007

Duas vezes o mundo

Aos cinco anos de idade, meu pai me deu o mundo de presente. Não me lembro bem se sentia ou não a ausência dele enquanto ele estava aqui - hoje sei que ele ficou seis meses sozinho no Brasil, ajeitando tudo para a gente chegar. Guardo lembranças muito boas da minha infância no Chile, e graças a Deus, nenhuma me remete tristeza, nem mesmo desse período. A única coisa que sei é que minha mãe vez em quando chorava, hoje sei, de saudades dele.

Lá viemos nós, quatro crianças, meu irmão mais novo de colo, e eu com cinco, o mais velho com 9, num avião da Varig, encontrar meu pai no Brasil. Minha mãe havia feito aulas de português, e eu sabia que viria a uma festa. "Acucar es azucar, papi?" Foi uma das primeiras perguntas que fiz ao meu pai quando estava no Brasil.

Muito marcante. Choveu, me lembro de me despedir dos meus tios e primos no aeroporto, sentir os ouvidos tapar durante o vôo, rir da sensação de flutuar quando andava no corredor, e de repente, meu pai nos recebeu. Muito corajoso esse senhor, hoje de 66 anos. Naquele tempo, tinha 36, a idade que farei daqui a pouco. Mudou radicalmente sua vida e por tabela, a nossa. Rompeu com aquele país para dar novo sentido a tudo.

Nossa, como sou feliz por viver no Brasil. Amo o Chile, são minhas raízes, mas odeio o frio. E o Brasil, vá lá, tem muita coisa triste. Mas tem tanta coisa legal...

De lá para cá, nunca consegui olhar o mundo sem ter um olhar estrangeiro, comparativo, o que é melhor de qual lado do mundo. Entender os ditados populares, as sutilezas que se escondem no modo de vestir e empregar as palavras.

Meu pai não é dos mais falantes, dos mais afetuosos de dizer 'te amo, minha filha'. Mas nossa, como esse homem me deu amor e exemplos. Foi exigente com horários de subir da rua, de voltar pra casa das baladas aos meus 12, 13, 15 anos. Era o pai mais careta, me deixava chorar e ficar de olhos inchados pedindo pra sair ou dormir na casa das minhas amigas. Docilmente, dizia não. Eu sofria, pois sempre tive amigas muito mais liberais que eu.

Mas foi o primeiro a estimular minha viagem à Europa com 20 anos. Fui sozinha. E ele estava lá, felicíssimo pq eu ia. Foi a segunda vez que ele me deu o mundo de presente. "Vá, e vá solteira, pq nunca será a mesma coisa". Ele estava mais feliz que eu quando eu viajei. Que loucura. Eu tinha 20 aninhos e ia sozinha para o Velho Continente. Mas o estímulo daquele pai careta, que chegava pontualmente às 17h30 em casa, depois de sair do trabalho, para estar presente, me fez sentir segura.

Minha mãe nos deu tapas qdo fazíamos arte. Meu pai, discursos. Preferíamos os tapas da minha mãe, foi o que concluímos com meus irmãos. Meu pai é prolixo.

É o homem que come banana com garfo e faca, que guarda tudo porque pode ser reaproveitado daqui a pouco. E não tenha um carro enguiçado perto dele. Ele para tudo para te ajudar.

Meus pais nos ensinaram a ser solidários. Aliás, fora do comum. Toda a minha família tem essa tendência, de deixar de comer se algum amigo precisa mais. Somos famosos entre os nossos por essa característica altruísta.

Que Deus te cuide, meu pai, para que vc receba o que merece pelo tanto que vc nos deu.

1 Comments:

Blogger Gabriela said...

Oi Carla, me emocionei muito por muitos motivos. Estou eu aqui tentando vida nova em outro país aos 30 e tantos e sentindo uma saudade imensa do meu avô (que foi a minha figura paterna na infância e já se foi deste mundo) e do meu padrasto (meu segundo pai) que teve comigo um comportamento muito parecido de seguir o que achava correto e me preparar para ser livre. Que bom que vc conseguiu ver tudo isto e transformar a experiência em textos tão bonitos.

10:25 AM  

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